A lua de Ana.
A
|
Manhã suave desliza
sob a grande lua que se esvai, aceitando a chegada de seu parceiro acalorado
disposto a brilhar só. Em seu universo contínuo, ele faz a luz, fingindo o
teatro de ir e vir. É o amanhecer dos que enveredam ao mar, vingando triste
sina de quem reluta a não se entregar miserável à embriaguez amarga dos
descartados de beira-mar. O pescador indo ao mar tenta reparar o pecado de ter
gerado oito sem se dar conta, tendo abusado do calor de amar em sua juventude.
Debaterão outra vez pela a vida com fé no olhar certeiro fixando
horizontes. Buscam num fio de esperança
encher a rede e poder voltar com a lua farta, não sabem quando. Seria esta a
macia companheira para o corpo curtido em sal e sol há dias no mar. Lutam para
chegar vivos, com alma lavada havendo conquistado outra vez o pão, ao desafiar
o azar colhendo peixes.
Ainda está escuro. Ana mansa e miúda abraça as pernas com o
casaco ralo sentada no alto da duna de areia branca. Chora, geme baixinho com
medo, vendo o pai aceitar seu fado ao enfrentar o mar. Sente-se só, pensa sumir
com a lua, seguindo o pai, quer virar estrela, desaparecer no mar. Dos olhos
molhados sente provar o gosto algumas vezes salgado de amar. Ana como todas as
filhas que um dia talvez também sejam mães, teme confusa sofrer viuvez ao
perder para o mar seu sonho, seu homem, seu pai. Voltando à casa infeliz,
encontra ao sol sua desalmada realidade. Vassoura em mão a mulher, a suposta
mãe, que madrasta malvada mais aparenta ser, pois deveria acolher não escolher.
A mãe tem o dever de mandar, atribuir tarefas, liberar a confusão do café,
despachar fora, devem ir para roça, triste faina, já é hora. Ana no meio da
família escadinha insiste em brincar, mas ouve: Vai trabalhar! Ela sente o
cheiro de peixe, pensa outra vez no pai, seu querido, seu par. É dele que
gosta, é ele quem sabe amar, conversa, dá o colo conta estórias do mar, canta
pra ninar a sós, diz que quando crescer vai levá-la com ele ao mar, ensinar a
pescar. Ela dança corre sapeca quer voar, criança não devia trabalhar.
Ajunta-se aos outros, deve na eira dura pisar descalça, tem que roçar semear e
que plantar, sem descansar. Acha-se pequena quer chorar, mas não pode a mãe manda
roçar, como ela um dia, Ana também há de calejar. Precisa entender que é a
mandioca da terra e o peixe do mar, todo dia, sem parar. O Domingo sim, que é
dia de ir missa e brincar. Vamos lá! É hora de capinar. O sol quer rachar a
pele, que vai virando couro. Debaixo das roupas sente suor escorrendo molha sem
parar. É a lida na roça. A mãe feitora brada: Pare de beber agua toda hora! Não
se coça! Vai trabalhar. Vamos menina aluada, ou tu vai apanhar.
Continua breve.
Nenhum comentário:
Postar um comentário