terça-feira, 18 de dezembro de 2007


Vida, sonho e pesadelo.


-Como posso viver bem se não tenho dinheiro bastante, tantas coisas boas e não posso ter. Olha só aquele, tem tudo, vive feliz, cheio de dinheiro.
Pensava assim Cândido enquanto caminhava em busca de de emprego, estava quebrado sem condições de comprar nem sequer um lanche barato. Andava a pé a longa distancia e não conseguia tirar de sua cabeça uma revolta de não ter nascido em uma família rica, desfrutado de bons colégios e companhias agradáveis de pessoas ricas. Olhava sobre os muros e via a gente rica se divertindo e rodeada de coisas boas e cada vez aumentava sua revolta. Já estava bem cansado quando atingiu o topo da rua, onde estava a casa que procurava. Parado em frente sentiu-se pequeno e de certa forma humilhado tamanho luxo da residência. A campainha soou longe, mas eficiente, então um cão velho latiu econômico e rodando calou-se deitando novamente. Veio a velha resmungando, falando sozinha como quem rogava praga.
-E você quem é, que deseja?
-Sou o Candido o motorista, ou melhor, o faxineiro.
-Como é motorista ou faxineiro resmungou ela.
-É sou motorista, mas tô pegando qualquer coisa, sabe como é...
-Tá bom, já entendi vamos lá, tomara que o velho goste de você, eu já estou de saco cheio dele, sabe que o sacana hoje me deu uma bengalada que quase me acertou a cabeça, foi pra me acertar mesmo!
Foi tudo bem rápido, a mulher queria ir embora no mesmo dia e disse que não ficaria de jeito nenhum. Sendo assim o velho aceitou Cândido na mesma hora vendo-o de longe e disse a ela que ele deveria ficar imediatamente. Desta forma Candido aceitou o salário e as condições gerais. A mulher mostrou a casa de caseiro ao lado e a campainha que o velho chamava, suas cores e significados. A mulher continuou resmungando e se foi apressada com suas coisas. Candido sentou-se e aguardou, a mulher dissera que nunca entrasse na casa sem ser chamado. O silêncio era grande naquele lugar, escutavam-se pássaros e via-se micos em correria, assoviando nas árvores. O velho sr Samuel Oldman, era de grande estatura, bastante magro com ossos saltando na face enrugada que transparecia o sofrimento passado através dos olhos fundos e agressivos. O nariz abatatado cultivava cravos em meio aos pelos grossos que saltavam a frente como quem fareja, era macilento. Era um aspecto feio e causava medo em vez de pena. As mãos grandes eram grossas e com palma macia de quem fora tratado. O pijama de listras era de seda pura, mas perdera o brilho e já cheirava um ranço de velho descuidado catinguento, nas partes de baixo eram pingadas que coloriam nuances de mijo seco. Tomou um susto o Candido quando o viu, com as mãos nas aduelas com a bengala pendurada no antebraço. A face dura penetrante causou um frio na espinha, Candido sentiu vontade de correr para longe. Num gesto de queixo e pescoço chamou o novato ao trabalho. Candido quase se mijou também, mas seguiu arregalado e sentindo cólicas. Nesse instante preferiu continuar desempregado, e se pegou achando poder continuar vivendo com os biscates ocasionais. Candido era o que se podia chamar de gordinho, tinha um sorrisinho sem graça, que o acompanhava sem afirmar graça ou desgraça, era de uma simpatia que revoltava, tamanha expressão de prazer e nojo. O velho entrou na casa, cruzou a ante-sala, parou diante ao sofá e de uma queixada só, apontou a sujeira no chão e o abajur quebrado com suas peças de cristal espalhadas. Candido submisso correu mostrando empenho, porem na pressa tropeçou e enfiou a cara na mesa cortando o supercílio direito, que danou a sangrar, ficou atônito. O velho balançou a cabeça em negação e retirou-se. Candido retirou-se também, foi pro quarto e lavou o rosto, fez curativo e começou a chorar baixo, lembrou de sua revolta, sentiu pena de si mesmo. O velho estava lá em cima enfiado no sofá velho da sala de televisão, comia biscoito. O relógio antigo bateu dez horas, lá de fora Candido ouviu, não sabia o que fazer. Da janela via-se o céu, as nuvens ralas e a lua grande querendo entrar. Uma aragem fresca acusava a coberta rala, Candido se encolhia e esfregava as mãos, recostou-se, dormiu. Sonhou com a infância, solto no mato, correndo atrás de cavalo pegado no campo, montando a pêlo corria muito, de repente caia batia a cabeça, como doía, virou pesadelo... o velho corria atrás dele dando bengaladas, queria acordar não podia. Lá em cima o velho dormia sentado, altas horas... alheio à televisão que àquela hora passava a seção pornô, com intermináveis rodízios de stripteases, enquanto roncava de boca aberta, sonhava correr a maratona no meio da neve.
Vida comum falta de Deus...
Ruy Eduardo de Castro.
02/09/2007.

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