quinta-feira, 17 de janeiro de 2008




O Cassino.
Era uma noite comum, o céu mostrava estrelas, mas sem muita expressão, não era uma noite de estrelado brilhante. Foz do Iguaçu é uma cidade comum que vive de um turismo limitado a poucos pontos turísticos. As cataratas sua principal atração é um estupendo turbilhão de águas, exulta inesgotável exuberância da criação. Parecia que concentrava o inexprimível e o expunha em uma linguagem accessível a qualquer ser, independente de sua capacidade ou sensibilidade, impossível não admirar. Uma noite, fomos levados a conhecer um cassino. Não gosto de jogos de azar, para mim são como amores comprados, que levam a prazeres vazios, que só reluzem quando acompanhados por drogas ou fugas. Lugares da noite que acolhem sofrimentos e enganam sonhadores sem fibra. O ambiente de espera é notável pelo entusiasmo impulsivo. Aspirantes ao ganho fácil, inconseqüentes amadores flertam a sorte desprezando o azar, o desconhecido. Quem atenta observar percebe comentários liberais que parecem ser ditos como forma de aprovação íntima, de quem transgride consciente uma lei moral. É um ambiente de freqüentes risos quase histéricos, de pessoas comuns que naquela noite se permitiram abusar, soltar amarras, navegar o inconsciente reprimido. Os olhares são sedentos, apontam espasmos de prazeres precoces. O veículo para na alfândega, sem muita demora, porem o tempo bastante para um dos passageiros perceber num cabeludo que andava ao largo, a aparência de Jesus e fazer insensatos comentários desdenhando princípios cristãos, tolo, simplesmente como ratificando sua pseudoliberdade. Em meio a tudo isso, reparo um senhor calado de barba descuidada, acompanhado de uma muleta que até então parecia estar alheio à trama. Inexplicavelmente foi notado por todos a meu ver simultaneamente se tornando alvo de perguntas quando revelou ser jogador contumaz. Dissertando com ares de expert sobre suas andanças, disse ter freqüentado todos os cassinos do mundo. Afirmava ter jogado em Monte Carlo, concluiu este ser o melhor, por seu charme e sofisticação. Nesses poucos momentos o velho se transformou em uma espécie de Hunphrey Bogart em Casa Blanca, tratava o jogo como um esporte fino, afirmou com orgulho haver freqüentado nos últimos cinqüenta anos cassinos todas as noites, todos calaram, chegamos.
O grupo penentrou no ambiente envolvido pelas cores das luzes que piscavam sem parar. Podiamos ver as faces, arriscar histórias passadas e o porvir. Eram como novelas mudas em um cenário pretensioso que acusava, se bem olhado, sua vocação mambembe. Havia a intenção de criar luxúria, riqueza, mas acho que só pegam ingênuos e idiotas prepotentes. Um casal jovem que viera junto conosco desde o hotel sentou pra jogar em um caça níquel, jogavam com notas de dólar em vez de moedas, perdiam rápido e ele xingava a máquina, mas continuava arrogante desafiando o Demo, sua jovem mulher aparentava desconforto ou medo, olhava de esgueio, desgostosa, me pareceu amargando a lua de mel. Os cassinos olham como prostíbulos, são cínicos, não chegam a me causar raiva, mas dó da platéia, como em um circo pobre se sente dos artistas rotos. É desconcertante a atmosfera de contraste entre o estar imune e o participante envolvido, é como um anzol para gulosos. Interessante o domínio da cor vermelho, seu efeito lisérgico, envolve conotações misteriosas e presença estranha. Mulheres sinuosas tentam enfeitar e exprimir glamour, funcionários em roupas gastas, vencidas, demonstram pobreza paralela. Enjoamos rápido do lugar e do cheiro de cigarro demos uma rodada e fomos para o hall esperar a van. Aos poucos foram também voltando um a um com cara de sem graça, logo estavam já do lado de fora esperando o carro ansiosos, só viria aquele, perdendo, só de táxi e caro. O transporte chegou embarcamos em silêncio. Então veio o velho, reparei seus olhos opacos, já não falava nada sentou ao meu lado. Lá fora, agora as luzes e sons lembravam um mafuá ou som de disco de vinil arranhado, efêmero encanto!
O motorista disse que esperaria somente mais três minutos pelo casal que faltava e assim partiu justo!Todos voltaram mudos e arregalados pela falta daquele casal jovem que falava mal da máquina.
A peneira pegou dois. A vida assistirá à novela.
Na alfândega na volta o cabeludo estava lá, ria e expunha suas tatuagens, um brinco e dentes de ouro, ninguém notara na ida!

Ruy Eduardo de Castro.
16/01/2008.